Tecnologia, o Ser Humano e a Síndrome de Estocolmo Digital: O Impacto na Saúde Mental 

Tecnologia, o Ser Humano e a Síndrome de Estocolmo Digital: O Impacto na Saúde Mental

Por: Marcos Alencar

É consenso geral na comunidade científica que o uso controlado do fogo por humanos ocorreu há pelo menos 400.000 a 1 milhão de anos. Ao friccionar duas pedras, o Homem descobriu o fogo. E, a partir dele, uma maneira de gerar calor, cozinhar alimentos e gerar luz na noite além da lua. Com o fogo, outras pessoas se juntaram e, ao redor da fogueira, não apenas compartilhavam histórias e ideias, mas também estabeleciam laços afetivos e promoviam a formação de uma cultura e identidade humana. Muito coisa aconteceu em volta da fogueira.

Essa jornada desde a descoberta do fogo até a era atual nos leva a um ponto crítico na história humana, onde a tecnologia se entrelaça com nossa existência. 

Para nos ajudar no tema que vamos abordar, vamos antes revisitar conceitos e palavras que vou usar.

Síndrome de Estocolmo

A Síndrome de Estocolmo foi observada pela primeira vez em 1973, após um assalto a banco em Estocolmo, Suécia, onde reféns capturados durante o assalto desenvolveram uma ligação emocional com seus sequestradores. Esse fenômeno psicológico chamou a atenção pela aparente contradição de vítimas mostrando simpatia e até mesmo defendendo aqueles que as colocaram em perigo.

A Síndrome de Estocolmo é quando vítimas de cativeiro desenvolvem sentimentos positivos, como simpatia ou lealdade, em relação a seus captores, muitas vezes de forma inconsciente como mecanismo de sobrevivência em situações traumáticas.

Ontologia

A palavra é derivada do grego ontos, ser.
A ontologia é o ramo da filosofia que estuda conceitos como existência, ser, devir e realidade. Quando se pensa sobre o ser humano do ponto de vista ontológico, trata-se de explorar questões fundamentais sobre a natureza da existência humana. A ontologia humana busca entender o que significa ser um ser humano, questionando as características essenciais que definem a humanidade. Portanto a ontologia busca a classificação e explicação de entidades. Isso inclui reflexões sobre a consciência, a relação do indivíduo com o mundo, a identidade pessoal, e a natureza da mente e do corpo. Essencialmente, a ontologia humana procura compreender a essência do ser humano em contraste com outras formas de existência.

Sinônimos de ontologia : ciência do ser, estudo do ser, ou reflexão sobre o ser.

A pós-ontologia por sua vez reconsidera a natureza do ser e da existência no contexto das mudanças trazidas pela tecnologia moderna, como a inteligência artificial. Ela questiona e expande as ideias tradicionais da ontologia, focando na relação entre o humano e o tecnológico e como isso transforma nossa compreensão do ‘ser’.

Com a emergencia da Ciência da Informação houve a instauração de uma ontologia de similaridade entre seres humanos e máquinas em sua estrutura, tendo como base o seu conceito de informação como um terceiro elemento constituinte do mundo, ao lado da matéria e energia, não sendo redutível a elas (WIENER, 1970).

Podemos ter um computador, um smartphone, um smartwatch e muitas contas em mídias sociais. Podemos usar tecnologias para resolver problemas e nos divertir, e IA para nos auxiliar em inúmeras tarefas, indicando essa experiência, que vivemos na era digital, e que somos seres vivendo em um contexto de alta complexidade tecnológica que aparentemente dominamos. Mas, por outro lado, não conseguimos perceber como os algoritmos que governam nossas atividades diárias têm se infiltrado de várias maneiras, influenciando nossa atuação e moldando-nos pelas realidades algorítmicas invisíveis. Portanto, participamos do mundo dos dados digitais de uma maneira estritamente inconsciente. Como isso nos afeta e infecta é o que estou interessado em abordar nesta reflexão.

Em um contexto pós-ontológico, as linhas entre o real e o virtual, o humano e o tecnológico, estão cada vez mais tênues. Isso pode implicar uma reavaliação ou transformação das ideias tradicionais sobre identidade, existência, a evolução da comunicação humana até a era digital e a própria relação do ser humano com a tecnologia. A discussão sobre uma era pós-ontológica frequentemente envolve questionamentos sobre como a tecnologia redefine ou influencia nossa compreensão do ‘ser’ no mundo contemporâneo.

Precisamos pensar e reconhecer como essa mudança afetou e influenciou quem somos como seres humanos de uma forma abrangente. Frequentemente, ao falar sobre a era digital, pensamos em conexões sociais, como interagimos com nossos colegas, amigos e família, e como compartilhamos nossas vidas, além do que a Inteligência Artificial pode fazer por nós. No entanto, essa visão do momento é muito restrita; devemos discutir como essa mudança penetra em nós, como nos moldou e está nos modelando. Isso ocorre porque não é fácil para nós sentir a era digital.

Vemos a nós mesmos como uma unidade integrada de mente e corpo, únicos e indivisíveis. No entanto, essa percepção muda quando somos identificados como esquizofrênicos, depressivos, portadores de TDAH ou bipolares, por exemplo. Na pós-ontologia, tanto a normatividade quanto o não normativo são considerados relevantes. ‘Normatividade’ refere-se a princípios, regras ou diretrizes que estabelecem padrões ou modelos a serem seguidos. Na ciência de dados, o procedimento usual é encontrar o incomum. Com mais dados, mais padrões podem ser identificados, mas também emergem não padrões que ainda precisam ser normatizados. Para a pós-ontologia, o não-normativo deve ser normatizado para ser compreendido e controlado. Por exemplo, seu smartwatch pode enviar um alerta por algum comportamento atípico. Se eu deveria andar 10 mil passos, serei alertado.

Coisas não-humanas se comunicam conosco: nossos carros, celulares, ou mesmo nossas casas. Estamos em diálogo constante com algoritmos e inteligência artificial. Assim, esses algoritmos estabelecem o que é normal e o que não é. Curiosamente, do ponto de vista crítico, podemos detestar todos esses ‘avanços’ e, ao mesmo tempo, estar absoluta e obsessivamente apaixonados por eles. Estamos sendo reformados, transformados nos últimos 10 ou 15 anos por essa atmosfera pós-ontológica de dados, por essa nova estrutura de significação humana. Porque não percebemos como isso está acontecendo, tendemos a naturalizar essa mudança de forma bastante inconsciente.

Podemos nos perguntar, por exemplo, se o aumento de diagnósticos de déficit de atenção em crianças é reflexo dessa nova normatização imposta pela sociedade tecnologicamente avançada e quais suas implicações éticas e sociais.

O que é ser humano e o que não é humano eram, até pouco tempo, termos claros. Sua distinção em nossa linguagem era compreendida de forma simples, mas agora não temos mais tanta certeza. Estamos avançando para a fusão da sensibilidade humana com a inteligência artificial, o que altera fundamentalmente a maneira como vivemos, o que somos e aponta para a Singularidade. Neste cenário, o ritmo da mudança tecnológica será tão rápido e seu impacto tão profundo que a vida humana será transformada de maneira irreversível. No livro ‘A Era das Máquinas Espirituais’, Ray Kurzweil prevê que até 2045 a inteligência artificial superará a inteligência humana, levando a mudanças dramáticas na sociedade, economia e sobretudo a identidade humana.

Temos a capacidade de resistir humanamente a essa transformação? Podemos desligar nossos dispositivos e ir para as montanhas em busca de desconexão, mas como seres humanos, parece que estamos saturados a um ponto em que alguém estará nos conectando em algum outro lugar que não escolhemos. Por exemplo, você pode estar sendo postado em alguma rede social por um amigo ou familiar sem o seu conhecimento. Nossa capacidade de resistir é praticamente nula, pois esta pós-ontologia de resignificação humana, embora não pareça, nos quer em constante movimento. Qualquer coisa em movimento – humanos, carros, entregas, ideias – gera dados. Do ponto de vista tecnológico, são pontos de calor. Ao observar através da visualização gráfica de dados, fica fácil perceber como geramos o movimento que geram dados. Qualquer coisa que se move torna-se um alvo excelente para a coleta de dados.

O psicanalista inglês Peter Fonagy destaca como a tecnologia e a cultura moderna, de maneira sutil, influenciam nossas necessidades básicas e comportamentos culturais. Ele observa que essa “tecno-cultura” imita os sinais fundamentais que nos fazem sentir reconhecidos e valorizados individualmente. Segundo Fonagy, nascemos com a habilidade de reconhecer sinais de confiança e autoridade, como o contato visual e a menção de nossos nomes, que nos tornam receptivos à influência alheia. No entanto, ele observa que a tecnologia da informação desafia esse aspecto natural, imitando tais sinais. Fonagy destaca que as tecnologias, ao personalizar a interação e atender às nossas necessidades, se aproveita da tendência humana de responder à atenção individual, evidenciando nossa vulnerabilidade biológica a esse tipo de abordagem.

A psique humana e como nos entendemos como seres humanos tornaram-se obsoletos ou superados? Nossos afetos serão também modificados? como nos identificamos como seres humanos enquanto estamos tendo essa conversa?

A tecnologia avançada e a era digital transformaram de forma significativa o que significa ser humano na era contemporânea. Essa transformação não se limita a mudanças externas em nossa interação com dispositivos ou sistemas, mas penetra profundamente em nossa psique, reformulando nossa compreensão de nós mesmos e do mundo ao nosso redor. A Síndrome de Estocolmo Digital, uma metáfora para a nossa relação paradoxal com a tecnologia, reflete como nos tornamos emocionalmente ligados e dependentes dessas ferramentas que, em muitos aspectos, controlam e definem nossa existência.

A pós-ontologia, ao reconsiderar a natureza do ser na era digital, destaca como a linha entre o humano e o tecnológico está se tornando cada vez mais difusa. Com a crescente integração da inteligência artificial em nossas vidas, estamos nos aproximando de um ponto de Singularidade, onde a distinção entre humano e máquina pode se tornar indistinta. Isso levanta questões profundas sobre identidade, ética e a natureza da existência humana.

É crucial, portanto, refletir sobre como essa fusão entre o humano e o tecnológico está remodelando não apenas nossas ações e pensamentos, mas também nossos sentimentos e identidades. Estamos diante de um desafio sem precedentes: o de manter nossa essência humana e individualidade em um mundo cada vez mais dominado por algoritmos e máquinas. A capacidade de compreender, questionar e, se necessário, resistir a essas mudanças, será fundamental para garantir que permaneçamos senhores de nossas próprias vidas e não meros produtos de uma era tecnologicamente avançada. 

Em última análise, enquanto avançamos para um futuro incerto, a pergunta que permanece é: como definiremos e preservaremos o que significa ser verdadeiramente humano em um mundo cada vez mais digital?

Ainda para finalizar gostaria de provocar alguns questionamentos sobre o Impacto da Tecnologia na Saúde Mental:

Como a constante exposição e interação com a tecnologia está afetando nossa saúde mental?

Existem maneiras de mitigar os efeitos potencialmente negativos da tecnologia em nossa saúde mental e bem-estar?

E finalmente sobre nossa identidade e nossos afetos:

Como nossos afetos e emoções estão sendo alterados pela interação constante com a tecnologia? Como isso impacta nossa vida cotidiana e relações interpessoais?

email: marcos@animathera.com
Instagram: @marcos_allencar

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